Um crime que parece um suicídio mas pode não ser. Livros que têm um significado aparente mas outros tantos escondidos. Uma religião que segue determinados princípios mas que pode fazer uso de outros opostos ao mesmo tempo. E um homem para descodificar tudo isso e trazer a verdade – pelo menos uma verdade – à superfície.
Acontece tudo num mosteiro beneditino, no Norte da Itália. Há um assassino que ameaça os monges e é o frade William of Baskerville que chega, acompanhado do seu fiel seguidor Adso, e acaba por investigar a ocorrência. Começa com a tal suspeita de que um dos monges se atirou de uma torre mas as pistas não dizem isso ao sábio franciscano que por ali passa com uma missão com o carimbo do Papa. E à medida que vai querendo saber mais também vai presenciando a morte de mais uns quantos fiéis religiosos. Há uma biblioteca que guarda os segredos dos acontecimentos, livros e iluminuras que escondem respostas difíceis de descobrir à primeira e à segunda. Mas William of Baskerville parece empurrado por uma sabedoria que, apesar das vestes, tem pouco de divina ou sobrenatural. É o homem esforçado a fazer uso da dúvida constante e isso é fascinante. Mais ainda é vermos continuamente a figura do autor na personagem principal.
As bibliotecas, sempre as bibliotecas. Não era só a do próprio Umberto Eco, dividida entre diferentes moradas e com dezenas de milhares de títulos em estantes que os sucessivos entrevistadores do autor sempre apontaram nos respetivos textos finais. A verdade é que o escritor italiano era neto de um tipógrafo. Mais do que isso, quando o tipógrafo morreu, o neto ficou com muitos dos trabalhos e das encomendas nunca reclamadas. Foi tudo “parar a uma caixa”, como explicou em tempos à Paris Review. “E essa caixa foi parar à adega dos meus pais”. Daí até aos livros escondidos em salas escuras em O Nome da Rosa foi uma questão de tempo.
E depois – ou até antes de tudo isto – há Jorge Luis Borges, o escritor argentino que fascinava Umberto Eco e que teve até direito a dar o nome ao bibliotecário cego do mosteiro, Jorge de Burgos. Bibliotecário, repetimos, como numa Babel feita de livros como a que Borges descreveu no conto que 1941. Na Biblioteca de Babel estava um universo vasto feito de múltiplas salas, com livros que apresentavam as soluções as necessidades essenciais para a sobrevivência, com as respostas para todas as perguntas e em todos os formatos. Um labirinto (também) feito de salas octogonais, de realidades e de interpretações, que encontrou em Umberto Eco apenas um dos muitos encantados pela obra de Borges. Mas um com vontade e capacidade para a adaptar e transformar em algo seu.
(texto "O bibliotecário e o Nome da Rosa" no jornal "Observador")
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